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Muro'21
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D*Face
D*FACE: ‘INTERPELAR O OLHAR É A ESSÊNCIA DA ARTE PÚBLICA’
Dean Stockton, mais conhecido por D*Face é um londrino desconhecido para o grande público português, o seu traço e os seus personagens ganham vida e conseguem ser reconhecidos, mesmo por aqueles que não acompanham este que é um dos artistas de Arte Pública de renome internacional. Jovem irreverente desde cedo fez do graffiti uma expressão. Mas foi mais tarde, como afirma, aborrecido e desmotivado com o que estava a fazer que iniciou um processo criativo que vai beber na cultura punk e na Pop Art inspiração. Foi pioneiro na aplicação da técnica de stickers associados ao graffiti.
A primeira intervenção de D*Face em Portugal foi realizada no final de Novembro, no âmbito do Festival Muro promovido pela Câmara Municipal de Lisboa. O local escolhido, o Parque das Nações, para uma desafiante intervenção de grandes proporções.
O que o motivou a fazer Street Art?
D*Face - Estava aborrecido. Tinha um trabalho que supostamente devia ser criativo e andava à procura de algo meu, mais pessoal. Sem restrições de alguém a dizer o que posso ou não posso fazer. Desde a adolescência que sempre tive uma relação próxima com o graffiti. Comecei a refletir sobre uma expressão que tivesse raiz no graffiti, mas materializado de forma diferente uma manifestação artística que chegasse a mais pessoas. Eu adoro graffiti mas a minha mãe odeia, por isso, pensei que talvez conseguisse alargar a linha de aceitação e quebrar essa incompreensão de muita gente em relação ao graffiti. Agarrar na base que é a repetição, escala, volume, mas com outra mensagem. Estava aborrecido e comecei a desenhar personagens inspirados na banda desenhada e esse começou por ser o fio condutor que me traz até aqui. Comecei a trabalhar num conceito que ficava entre o graffiti, a ilustração, a arte.
Quer deixar uma mensagem no espaço público, ou é apenas um processo criativo?
D*Face - Não havia uma intenção de deixar uma mensagem, não era um meio para alcançar esse fim. Foi mais um ato egoísta, pessoal, de transformar a minha desmotivação em algo. Continua a ser um ato egoísta e pessoal. Os muros que pinto são algo que gosto de pintar, que me dá prazer. Fico contente que as outras pessoas também gostem.
Percebi ao fim de algum tempo que não só gostavam como reconheciam o trabalho que faço nas ruas. Não tinha essa expectativa. Mas é muito gratificante que as pessoas parem e olhem para o meu trabalho como algo diferente. Que o sintam também de forma pessoal.
Estes olhos pintados no muro do Parque das Nações são uma provocação para que as pessoas olhem com olhos de ver para o que se passa à sua volta?
D*Face - Para mim este muro foi um desafio porque é muito longo. Normalmente faço num enquadramento mais pequeno. Uma moldura onde é mais fácil contar uma história ou pelo menos um fragmento. O facto de este muro ser realmente muito longo dificultava esse processo. Refleti sobre a situação global que vivemos e sobre a localização da intervenção, também.
Neste momento avaliamos as pessoas pelos olhos, por causa das máscaras. Os olhos transmitem, agora mais do que nunca, a emoção, reforçam e sublinham a comunicação. Não temos face, temos olhos. Também gostei desta localização. Tem muitos significados. É um ponto de encontro, mas também de viagem. Um lugar de afluência de muita gente, que se cruza aqui para apanhar o metro, o comboio, o autocarro. É um lugar de comunicação e de emoções.
Então foram os seus olhos, a forma como vê a realidade que fizeram a diferença...
D*Face - Sim, claro. Especialmente agora. Comunicamos com os olhos, sorrimos com os olhos e manifestamos o medo e a esperança através dos olhos.
A localização no Parque das Nações, um território mais moderno, foi mais desafiante?
D*Face - Não. No fim do dia, estou a pôr tinta no muro e uma zona mais moderna absorve melhor todas as transformações. Não tem um impacto de rutura como noutros contextos. Aqui estas intervenções arrojadas são mais “normais”.
Considera a street arte como uma forma de “coser” diferenças e reduzir as iniquidades sociais através da intervenção no espaço público?
D*Face - Para mim arte publica é a chave para dar a pessoas a oportunidade de conviver no seu dia a dia com a expressão artística e criativa. Sobretudo àquelas que nunca tiveram a oportunidade de aprender sobre arte, frequentar galerias, museus. Essa educação é importante mas a arte pública permite a todos sem exceção a oportunidade de sentir e expressar paixão através da relação com a arte no seu percurso diário. E podem transformar essa paixão num percurso de vida. É uma forma transversal e democrática de integrar todos, independentemente da idade, da raça ou etnia, da condição social.
Todos são iguais. Basta só um individuo parar, olhar. Gosto muito quando falam comigo quando estou a pintar. Essa é uma das partes mais interessantes do meu trabalho.
Sinto falta desse contacto quando estou em estúdio ou agora que estamos em confinamento. Sinto falta de poder interagir com o público.
Toda a evolução do meu trabalho foi construída nessa relação com as pessoas.
Claro que adora as exposições, as minhas construções, adoro trabalhar no meu estúdio. Mas falta o essencial.
Arte pública está ali ao virar da esquina. A interpelar o olhar, a motivar sensações. Essa é a essência da arte publica.
Mesmo que apenas uma pessoa tenha vontade de saber mais sobre Arte Pública, ou sobre o meu trabalho, isso já é fantástico.
O que gostou mais no Parque das Nações?
D*Face - Os pastéis de nata (risos). Não temos viajado muito e não conheço bem Lisboa e o Parque das Nações. Adorei a forma como fomos recebidos e poder pintar para o publico e aproveitar o Sol, já é um privilégio fabuloso.
Quero voltar com mais tempo para conhecer melhor. Algumas pessoas quando viajam gostam de levar algo, uma recordação dos locais. Como artista o que é mais gratificante é que eu deixo algo nos locais que visito. Uma oferta para a cidade. Se as pessoas o veem coo tal é outra questão (risos), mas sempre o vi assim. Dá-me prazer agarrar a cultura, o sentir de uma cidade e transformar numa oferta.